Projeto de Joalheria partindo de pedras brutas e suas simbologias.
 
Era feito pedra. Quente feito basalto, fria feito granito. Era feito pedra. Fragmentada, feito arenito. Era lembrança, partes de todos e de ninguém, feito carvão. Era feito pedra. Esburacada, corroída, gasta. Era resquício: pedra que secou gotas de uma forte tempestade. Deteriorada, nunca se desfez feito pó. Erguia-se majestosa, requebrando sua vitória. Era sobrevivente, firme, forte e eterna. Em sua irregular e imensa perfeição, feito pedra. 
Mangano
 
Seu olhar era poesia melancólica. Em uma foto, seria preto e branco, seria o foco, meio a uma multidão curiosa e covarde demais para encará-los. Em uma pintura, seria uma gota de lágrima brilhante e acrílica, seria mãe cansada de oração perene. Se fosse prosa, seria longa de cansativa súplica. Se fosse música, seria violino chiando promessas, nota aguda que cansa sem despedaçar. Mas era poesia melancólica. Era beleza em seu sofrimento de mãe, em suas mãos negras, firmes e compridas, entrelaçadas a um filho inerte. Como poesia, era cheia de esperança, cheia de aguarde, para que em um novo verso seu filho sorrisse. E se sorrisse, ela aguentaria mais uma vida em preto e branco, acrílica, de cansativa súplica, de violino chiado com suas promessas. Então, no verso seguinte, mesmo inerte, o menino sorriu. Seu olhar era poesia melancólica, em sua marcha por mais versos, na recusa do último deles. Não haveria de chegar à rima final.
 
Significado: Pedra do perdão, do amor próprio e da maternidade. 
Pedra do Sol
 
Quando descobriu o câncer, não quis falar sobre ele. Em tosses cansadas no meio da madrugada, ao vê-lo consumindo seu corpo robusto aos poucos, não quis falar sobre ele. Nos enjoos matinais após cada bateria de medicamentos, na recusa das comidas que sempre gostou, do frango assado e da costela suína engordurada, não quis falar sobre ele. Ao ver o esforço desesperado da mulher, a inocência que se perdia nos olhos da filha que se obrigava a crescer, não quis falar sobre ele. E nem quando os vasos de sangue minguaram e se esconderam das agulhas, nem quando a água foi proibida de cruzar sua goela, nem quando sua cabeça tombou para o lado em um último suspiro, não quis falar sobre ele. Quando virou vento, ainda assim não uivava, e perdurava num silêncio que movimentava o resto de vida ao seu redor. Vento silencioso, que quando descobriu o câncer, não quis falar sobre ele, e que ainda não fala, e sopra insistente a vitória sobre a vida: além dela.
 
Significado: Iluminação, afasta influências negativas. 
Calcedônia
 
Vomitou seus pesadelos e no fim daquela noite, saudade era feito gorfo jogado ao chão. Vomitou tanto, vomitou tudo, vomitou até secar a apatia que durou meses e anos. Vomitou a ausência, e no fim daquela noite parecia que havia vomitado parte dele mesmo junto, e que não sobraria mais tanta coisa assim. Secou a náusea que pingava insistente no canto de suas memórias, que pingava em seus pesadelos, como a chuva torrencial em mais um enterro triste.  Secou a náusea, secou a apatia, secou a saudade, e no fim daquela noite, tristeza era feito gorfo jogado ao chão. Pegou um rodo, um pano e um alvejante, e no fim daquela noite, nem vômito restava jogado ao chão. E tristeza nunca mais restou. Dormiu bem.
 
Significado: Protege de pesadelos, afasta a melancolia.
 Lápis Lazuli
 
Perdeu a mãe aos 10, no parto do irmão caçula. Cresceu sem saber passar batom, sem saber se portar na frente de homens, sem saber que Deus existia em algum lugar de um céu sem cor. Casou-se aos 20, falou sim na presença do padre, e quando saiu da igreja, passou reto por todos os santos, por todas as cruzes, pelo sol que entrava colorido pelo mosaico da janela mais alta. Pariu o terceiro filho aos 30, vestiu-o com roupinhas brancas, deu nome de santo, e batizou-o como fez com os outros dois, mas o terço e a reza ficaram entalados na garganta pelos anos seguintes. Aos 40 comemorava o natal sem pensar em Cristo, aos 50 participava de feirinhas budistas, sem conhecer a imagem de Buda. Aos 60 perdeu o marido, e quando jogou suas cinzas do mirante em sua cidade natal, chorou lágrimas mundanas de quem ainda não sabia que Deus existia em algum lugar de um céu sem cor. Foi aos 70, quando a velhice começou a corroer os ossos, que decidiu que iria viajar. Apostou o todo o dinheiro numa casinha no litoral do Espírito Santo, e entre peixes mal cozidos e areia nos pés cansados, sozinha e longe do que restava de vida, percebeu a cor do mundo, das folhagens nas montanhas, das ondas salgadas inquietas. Deus existia em algum lugar de um céu, e a cor estava nos olhos de quem queria colorir. 
 
Significado: Força divina, espiritualidade.
Cianita Azul
 
Miguel pisou na água rasa como quem queria brincar. Era pequeno, e antes de dormir via estrelas brilhosas no teto de seu quarto, e sabia que queria ser astronauta para não vê-las tão de longe assim. Mas água rasa é como vida, e não tardou para que subisse até os joelhos. Miguel era jovem, estudava muito, e com a mãe adoecida foi obrigado a entregar jornal pelo bairro. Em uma notícia de capa, lia o homem ir ao espaço, e pensou nunca parar de estudar muito, pois queria ir ainda mais longe. A água subiu até o quadril. Miguel era adulto, e trabalhava num escritório de contabilidade. Morava sozinho em cidade grande, sentia a barriga de chopp pressionar os botões da camisa, e pensava que assim nunca iria se casar. Depois de um happy-hour, saiu do bar apressado e olhou as poucas estrelas num céu nublado, achou elas tão brilhosas como distantes, e nem se lembrava mais que um dia quis ser astronauta. A água subiu até o pescoço. Miguel era um senhor endividado, que olhava para o passado e percebia ter gasto dinheiro demais na construção de uma família que nunca se construiu. Passava sua aposentadoria no bar, gostava de pinga com limão e de conversas escassas com variados desconhecidos. Saiu embriagado pelas ruas, e viu uma estrela brilhosa de perto, muito perto: o farol de um carro se aproximava cada vez mais. A água subiu até a cabeça. Cortou a luz com sua espada, fechou os olhos e se viu pequeno. Pequeno, e antes de dormir via estrelas brilhosas no teto do mundo. Era anjo, e subiu aos céus, para que mais nenhuma luz se apagasse em nenhum daqueles que pisavam em água rasa como quem queria brincar de viver.
 
Significado: Espada do Arcanjo Miguel, sintonia com a água.
Bracelete confeccionado a partir de placa de cobre e posteriomente banhado à níquel, com pedra bruta Cianita Azul.
 
Feito Pedra
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Feito Pedra

Design de peças de jóia, partindo das pedras: Mangano, Pedra do Sol, Calcedônia, Cianita Azul e Lápis Lázuli; e seus significados ocultos concedi Read More

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