Lápis Lazuli
Perdeu a mãe aos 10, no parto do irmão caçula. Cresceu sem saber passar batom, sem saber se portar na frente de homens, sem saber que Deus existia em algum lugar de um céu sem cor. Casou-se aos 20, falou sim na presença do padre, e quando saiu da igreja, passou reto por todos os santos, por todas as cruzes, pelo sol que entrava colorido pelo mosaico da janela mais alta. Pariu o terceiro filho aos 30, vestiu-o com roupinhas brancas, deu nome de santo, e batizou-o como fez com os outros dois, mas o terço e a reza ficaram entalados na garganta pelos anos seguintes. Aos 40 comemorava o natal sem pensar em Cristo, aos 50 participava de feirinhas budistas, sem conhecer a imagem de Buda. Aos 60 perdeu o marido, e quando jogou suas cinzas do mirante em sua cidade natal, chorou lágrimas mundanas de quem ainda não sabia que Deus existia em algum lugar de um céu sem cor. Foi aos 70, quando a velhice começou a corroer os ossos, que decidiu que iria viajar. Apostou o todo o dinheiro numa casinha no litoral do Espírito Santo, e entre peixes mal cozidos e areia nos pés cansados, sozinha e longe do que restava de vida, percebeu a cor do mundo, das folhagens nas montanhas, das ondas salgadas inquietas. Deus existia em algum lugar de um céu, e a cor estava nos olhos de quem queria colorir.
Significado: Força divina, espiritualidade.